sexta-feira, 13 de junho de 2014

Há um ano, 'batalha da Consolação' impulsionou protestos pelo país


O que começou como um protesto contra um aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus em São Paulo, ganhou corpo com manifestações agendadas pelas redes sociais e um grande impulso depois da violência policial na chamada "batalha da Consolação", em 13 de junho do ano passado. O fenômeno que veio a seguir revelou insatisfações populares, pressionou por mudanças e, um ano depois, ainda inspira atos de rua contra a Copa do Mundo e a favor de movimentos sociais e reivindicações sindicais.

A "voz das ruas" começou a ecoar depois que o Movimento Passe Livre (MPL) se rebelou contra o reajuste de R$ 0,20 na tarifa de transporte público de São Paulo e passou a promover protestos nas ruas da cidade. O quarto ato, realizado no dia 13 de junho, resultou emconfronto entre manifestantes e policiais na Rua da Consolação, no Centro da capital paulista. Com o apoio de estudantes e jovens, a manifestação ganhou uma dimensão maior que a esperada e sofreu forte repressão policial.

Cerca de 200 pessoas foram detidas e 11 jornalistas ficaram feridos. Em vez de acanhar os manifestantes, a truculência das forças de segurança despertou protestos em outros estados do país. A Prefeitura de São Paulo acatou o pleito do MPL e voltou atrás no reajuste da tarifa.

Mas as reivindicações se proliferaram, com novas palavras de ordem: combate à corrupção, melhorias na saúde, na educação, redução da violência, liberdade de expressão, entre outras exigências. Entre 17 e 20 de junho do ano passado, 1,25 milhão de pessoas participaram de protestos em mais de 140 cidades brasileiras.

"O elemento da violência policial no dia 13 de junho foi o grande deflagrador da explosão espontânea nos atos seguintes e também pelo Brasil", avalia o doutor em história social e professor Henrique Carneiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

Como reação às manifestações, a presidente Dilma Rousseff fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para dizer que estava "ouvindo" a voz das ruas e propôs cinco pactos nacionais, por mais responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte e educação.

A reforma política, apontada pela presidente como prioridade, até agora não saiu do papel. Os presidentes da Câmara e do Senado se mobilizaram para aprovar projetos de interesse da população – a chamada "pauta positiva". Apenas a votação de parte deles (cerca de 40%) foi concluída. Governadores e prefeitos também se manifestaram em apoio aos protestos.

Mas, em meio às vozes pacíficas, surgiu também a violência. Com rostos encobertos, o movimento black bloc introduziu agressão e vandalismo às manifestações. Lojas e prédios públicos foram alvo de pedras e quebra-quebra, e policiais e manifestantes ficaram feridos.

De acordo com a ONG Article 19, organização que monitora o direito à liberdade de expressão, no ano passado houve 696 protestos pelo Brasil, 15 dos quais com a participação de mais de 50 mil pessoas. De acordo com a organização, no total, 2.608 pessoas foram detidas, 837 ficaram feridas (entre policiais e manifestantes) e 117 jornalistas foram agredidos.

Para o cientista político Ricardo Ismael, o vandalismo inibiu a participação de mais pessoas no processo. "Junho deu o tom de insatisfação da sociedade. A faísca foi o aumento da passagem [de ônibus], mas desencadeou uma revolta em repúdio às atuais práticas políticas. Os black blocs, porém, provocaram um refluxo nesse movimento. As pessoas querem se manifestar, mas têm medo da violência", afirma.

Uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha apontou que os atos de violência enfraqueceram o apoio dos brasileiros aos protestos. Em junho de 2013, 89% dos entrevistados se diziam a favor das manifestações. Mas o número caiu para 74% em setembro, chegando a 52% em maio de 2014. Em São Paulo, 73% achavam que os protestos geraram mais prejuízos que resultados.

Em 2014, as manifestações continuaram, mas mudaram os atores e a forma de organização. O convite para ir às ruas, antes feito de forma anônima pela internet, passou a ocorrer em muitos casos por movimentos sociais, associações, partidos políticos e sindicatos.

A violência dos black blocs continuou. Em fevereiro deste ano, o cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da TV Bandeirantes, morreu após ter sido atingido por um rojão lançado por manifestantes que protestavam contra aumento na tarifa de ônibus no Rio de Janeiro. Os dois jovens acusados de terem acendido e disparado o artefato estão presos.

Com a proximidade da Copa do Mundo, protestos contra a realização do Mundial e contra os gastos para a construção ou reforma de 12 estádios ganharam força. Em Brasília, uma manifestação no final de maio reuniu 2,5 mil pessoas, entre índios, sem-terra e estudantes. Houve confronto com a Polícia Militar.

Para o historiador Voltaire Schilling, que leciona história há mais de 30 anos em diversas instituições, as manifestações que se iniciaram em junho de 2013 foram o maior levante da população brasileira desde as Diretas Já, movimento que reivindicou eleições presidenciais diretas entre 1983 e 1984. "As manifestações do ano passado não têm qualquer precedente na nossa história. Junho de 2013 estourou como uma grande onda que tomou o país e depois arrefeceu. Foi um momento de explosão, um 'tsunami popular' que agora está nos apresentando os efeitos", analisa o historiador, citando as greves dos funcionários de ônibus e Metrô em vários estados este ano e os movimentos de vários grupos anti-Copa. "As consequências disso tudo ainda veremos no futuro", acrescenta.

Demandas variadas
Ao contrário das Diretas-Já ou dos caras-pintadas (que pediram a renúncia do presidente Fernando Collor, em 1992), as manifestações de 2013 se multiplicaram pelo país com várias ideologias e causas, destaca Schilling.

"Foi uma coisa anarquista, anárquica, não havia uma liderança única ou um mote comum. Você se perguntava: 'Qual era a causa?' Não tinha uma só causa", diz o historiador, citando a proliferação dos "coletivos urbanos" – grupos que lutam por interesses e surgem, segundo ele, "porque não há liderança intermediária negociando as reivindicações populares".

Os integrantes do Movimento Passe Livre acreditam que as manifestações de 2013 e 2014 conseguiram colocar o tema do transporte público em debate na sociedade. "A questão do transporte público condensa uma série de problemas que todas as cidades têm e retrata a segregação e a desigualdade da população. É natural que outras causas e revoltas surgissem", afirma Érica da Silva, integrante do MPL em São Paulo.

Ação policial
Na visão da advogada Camila Marques, coordenadora do estudo da ONG Article 19, prisões consideradas arbitrárias, a falta de identificação dos agentes policiais e o uso excessivo de armas não letais (como bombas de gás e balas de borracha) "serviram como fator inibidor para a participação" das pessoas nas manifestações.

"Os protestos são sempre um avanço na sociedade, garantindo o direito à liberdade de expressão e de reunião, que são explicitados pela Constituição e pelas cartas internacionais. Mas o grande legado das manifestações de 2013 foi mostrar as violações provocadas pela polícia, que deixaram a periferia e chegaram ao centro das manifestações", explica.

As polícias militares de 15 estados informaram ao G1 que não abriram nenhuma investigação sobre eventuais excessos cometidos pela corporação durante os atos pelo país. Outros sete estados (Amapá, Bahia, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo) ainda têm inquéritos e sindicâncias em andamento. No Rio de Janeiro, dois oficiais serão julgados por terem forjado um flagrante. Os outros estados não responderam aos questionamentos.

G1

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